Introdução à Antropologia Social

Ciências Naturais: Física, Química, Biologia, Astronomia, etc. Estudam fatos simples, eventos que presumivelmente têm causas simples e são facilmente isoláveis. A matéria-prima da ciência natural é todo o conjunto de fatos que se repetem e têm uma constância verdadeiramente sistêmica, já que podem ser vistos, isolados e, assim, reproduzidos dentro de condições de controle razoáveis, num laboratório. Além disso, a simplicidade, a sincronia e a repetitividade asseguram um outro elemento fundamental das ciências naturais, qual seja: o fato de que a prova ou o teste de uma dada teoria possa ser feita por dois observadores diferentes, situados em locais diversos e até mesmo com perspectivas opostas. Nas ciências naturais os fenômenos podem ser percebidos, divididos, classificados e explicados dentro de condições de relativo controle e em condições de laboratório.

Ciências Sociais (ciências humanas): disciplinas voltadas para o estudo da realidade humana e social.  As chamadas ciências sociais estudam fenômenos complexos, situados em planos de causalidade e determinação complicados. A matéria-prima das ciências sociais são eventos com determinações complicadas e que podem ocorrer em ambientes diferenciados tendo, por causa disso, a possibilidade de mudar seu significado de acordo com o ator, as relações existentes num dado momento e, ainda, com a sua posição numa cadeia de eventos anteriores e posteriores. Os eventos que servem de foco ao cientista social são fatos que não estão mais ocorrendo entre nós ou que não podem ser reproduzidos em condições controladas. Podemos, obviamente, reconstruir realidades (ou pedaços de realidade), mas jamais clamar que nossa reconstrução é a ‘verdadeira’, que foi capaz de incluir todos os fatos e que compreendemos perfeitamente bem todo o processo em questão. Nossas reconstruções são sempre parciais, dependendo de documentos, observações, sensibilidade e perspectivas. Os fatos que formam a matéria-prima das ciências sociais são, pois, fenômenos complexos, geralmente impossíveis de serem reproduzidos, embora possam ser observados.

Todos os fenômenos que são hoje parte e parcela das chamadas ciências sociais são fatos conhecidos desde que a primeira sociedade foi fundada, mas nem sempre existiu uma ciência social. Assim, classes de homens diversos observaram fatos e os registraram de modo diverso, segundo os seus interesses e motivações; de acordo com aquilo que julgavam importante.

Embora possa incorporar as baleias ao reino do humano, poderei imaginar o que sentem realmente esses cetáceos? É claro que não. Eu posso dizer tudo o que quiser em relação às baleias sabendo que elas jamais irão me contestar. Poderei, é claro, ser contestado por um outro estudioso de baleias, mas jamais pelas baleias mesmas. É por causa disso que teorias sobre baleias e sapos são teorias, isto é, conhecimento objetivo, externo, independente de baleias, sapos e investigadores.

No caso das ciências sociais é tudo muito mais complexo. Temos, em primeiro lugar, a interação complexa entre o investigador e sujeito investigado, tanto o pesquisador quanto sua vítima compartilham, embora muitas vezes não se comuniquem, de um mesmo universo das experiências humanas.

Apesar das diferenças e por causa delas, nós sempre nos reconhecemos nos outros e eu estou inclinado a acreditar que essa distância é o elemento fundamental na percepção da igualdade entre os homens. Deste modo, quando vejo um costume diferente é que acabo reconhecendo, pelo contraste, meu próprio costume.

A história da Antropologia Social é a história de como diferentes sistemas foram percebidos e interpretados como formas alternativas – ‘soluções’ e ‘escolhas’ para problemas comuns colocados pelo viver numa sociedade de homens.

E a dialética acaba por inventar um plano comparativo fundado na reflexividade, na circularidade e na crítica sociológica, que é radicalmente diferente da comparação bem comportada, onde a consciência do observador fica inteiramente de fora, como uma espécie de computador cósmico, a ela sendo atribuída a capacidade de tudo dar sentido sem nunca se colocar no seu próprio esquema comparativo.

É a possibilidade de dialogar com o nativo (informante) que permite ultrapassar o plano das conveniências preconceituosas interessadas em desmoralizar o ‘outro’.

A Antropologia tem pelo menos três esferas de interesse claramente definidas e distintas:

Antropologia Biológica (ou Física): é o estudo do homem enquanto ser biológico, dotado de um aparato físico e uma carga genética, com um percurso evolutivo definido e relações específicas com outras ordens e espécies de seres vivos. Hoje, o especialista em Antropologia Biológica dedica-se à análise das diferenciações humanas utilizando esquemas estatísticos, dando muito mais atenção ao estudo das sociedades de primatas superiores (como os babuínos ou gorilas), à especulação sobre a evolução biológica do homem em geral.

Arqueologia: diz respeito ao estudo do homem no tempo, através dos monumentos, restos de moradas, documentos, armas, obras de arte e realizações técnicas que foi deixando no seu caminho enquanto civilizações davam lugar a outros no curso da História. De fato, o Arqueólogo está interessado em pedaços de cerâmica, cemitérios milenares, cacos de pedra e restos de animais, enquanto tais resíduos permitem deduzir modos concretos de relações sociais ali existentes. Todo sistema social humano precisa de instrumentos e artefatos materiais para sobreviver. Na realidade, artefatos, instrumentos e objetos materiais são elementos definidores do homem, já que eles definem a própria condição e sociedade humana em oposição a sociedades animais. Esses instrumentos estão determinados pelos modos através dos quais o grupo se autodefine e concebe. Daí sua variabilidade.

O Arqueólogo trabalha por meio de especulações e deduções, numa base comparativa, balizando sistematicamente seus achados do passado com o conhecimento obtido pelo conhecimento contemporâneo de sociedades com aquele mesmo grau de complexibilidade social. Como o homem é o único animal que tem essa fantástica capacidade projetiva, pois ele efetivamente se projeta (projeta seus valores e ideologias) em tudo o que concretiza materialmente, toda a sociedade humana deixa sempre algum vestígio das suas relações sociais e valores naquilo que usou, negociou, adorou e entesourou com ganância, sabedoria ou generosidade ao longo dos tempos. É porque os homens são assim que a esfera do conhecimento arqueológico é possível.
A Antropologia é uma disciplina dedicada à análise das formas que os homens inventam, copiam e constroem de modo a poderem operar suas vidas individual e coletivamente segundo certos valores.

Antropologia Social, Cultural ou Etnologia: o estudo do Homem enquanto produtor e transformador da natureza. A visão do Homem enquanto membro de uma sociedade e de um dado sistema de valores. A perspectiva da sociedade enquanto um conjunto de ações ordenadas de acordo com um plano e regras que ela própria inventou e que é capaz de reproduzir e projetar em tudo aquilo que fabrica. A cultura e a consciência que a visão sociológica nela contida deve implicar situa o homem muito mais do que um animal que inventa objetos, chamando atenção para o fato crítico de que ele é um animal capaz de pensar o seu próprio pensamento. Se alguns animais podem inventar objetos, o homem é o único que inventa as regras de inventar os objetos. O ponto essencial é que o homem não inventa uma canoa só porque deseja cruzar o rio ou vencer o mar, mas inventando a canoa ele toma consciência d mar, do rio, da canoa e de si mesmo.


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Fonte:
DaMatta, Roberto. Relativizando: Uma Introdução à Antropologia Social. Petrópolis, Editora Vozes. 1979.

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