A Nova Pedagogia, Maria Fabra

Cada civilização torna “humano” o homem – isto é, indica-lhe certas formas de comportamento consideradas adequadas – segundo sua escala própria de valores, as quais dependem por sua vez da estrutura social, política e econômica dessa mesma civilização. Educar é, fundamentalmente, adaptar o homem ao meio em que nasceu e transmitir-lhe os valores e conhecimentos sobre os quais assenta a sociedade em que se insere.

Antropólogos como Margaret Mead e Bronislaw Malinowiski mostraram-nos insistentemente que a educação é algo relativo à sociedade e contribuíram para demonstrar de forma eficaz o mito dos valores universais aplicáveis a qualquer época e a qualquer sociedade.

Portanto, a história da pedagogia – arte e ciência da educação – está indissoluvelmente ligada à da sociedade em que essa pedagogia se desenvolveu.


Elucidação de conceitos

Na verdade, o dicionário diz que a educação é a “ação ou efeito de educar”, entendendo por educar “desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais do homem”, e que a pedagogia é a “arte e ciência da educação dos jovens, podendo ser uma ciência filosófica ou positiva – exata – conforme se estude e se trate”.

Os termos normalmente usados como sinônimos de educar – criar, formar, desenvolver, aperfeiçoar – têm um sentido positivo, de finalidade desejável, e inclusive necessária. Por outro lado, a educação é processo e fim em si mesma. Sua finalidade é produzir indivíduos educados.

A pedagogia prática é uma compilação das normas empíricas: a arte de instruir e educar; sua função habitual é compreender e motivar as crianças bem com fazer-se compreender por elas.

A pedagogia política ocorre quando um Estado decide renovar o seu sistema educativo.

A pedagogia teórica é uma teoria da educação que tem por objetivo refletir sobre a mesma educação, sobre o papel que desempenham o professor e o aluno no processo educativo e sobre os sistemas e métodos utilizados. Neste sentido, a teoria da educação propõe-se também a orientar e corrigir a ação dos educadores.


Todavia, entre a prática e a teoria encontra-se também uma concepção da pedagogia que recorre a ambas: “uma teoria prática”. Neste sentido, a pedagogia é uma ciência aplicada. Aparece como a educação dos educadores; considera que a própria educação tem de converter-se em objeto de ciência e que a maneira de ensinar interessa tento como a matéria ensinada.


A educação em primeiro plano: revolução copérnica da educação

Desde a Idade Média, a pedagogia ocidental esteve estreitamente ligada à cultura clássica – greco-latina – e a uma forma de ensino que podemos denominar de “tradicional”.

O certo é que os grandes homens que ocasionalmente se ocuparam da pedagogia – desde Aristóteles a Montaigne, passando por Santo Agostinho, até Comenius e Rosseau – partiram da criança e dos seus interesses, e consideraram as escolas da sua época como instrumentos de embrutecimento dos quais era difícil sair sem certa aversão à cultura.

Contudo, até o fim do século XIX não se fez nenhuma tentativa séria para revolucionar a pedagogia. No início do século XX, opera-se o que já é habitual chamar-se “revolução copérnica da educação” e de certas críticas mais ou menos ferozes da escola e dos sistemas educativos passa-se à ação.

Uma série de médicos, psicólogos e educadores começam a preocupar-se seriamente com a educação e proclamam os princípios da educação nova. Este movimento supõe uma enérgica reação frente a uma escola tradicional pedante e vazia, uma tentativa de basear a prática pedagógica em teorias científicas da criança e do seu desenvolvimento intelectual e afetivo, e uma visão cada vez mais ampla e ligada aos problemas sociais e culturais da época.

Trata-se, portanto, de um estudo teórico e de um movimento prático que afronta o problema da instrução obrigatória no quadro de sociedades mais ou menos democráticas.


Os problemas pedagógicos atuais

A maior parte das discussões e dos debates organizados em torno da pedagogia e que apaixonam o mundo ocidental baseia-se na oposição, talvez mais fictícia que real, entre educação tradicional e educação progressista.

A educação tradicional, centrada nos interesses da sociedade adulta, inicia as crianças à passividade, à obediência cega e à submissão, forma-as para competir entre si, trata de transmitir-lhes uma cultura caduca e uma ideologia dogmática e fomenta nelas um respeito desmesurado pela autoridade.

A educação nova apresenta-se como progressista e científica, centrada na criança e no meio onde esta se desenvolve, e tenta conhecer uma e outro através dos recursos que lhe proporciona a psicologia e a sociologia. Esta educação procura ser auto-educação, reduzir o papel do professor, facilitar os processos de aprendizagem, e partir, não de programas rígidos, mas dos interesses manifestados livremente pelas crianças, tendo como ideal fomentar a criatividade, o sentido crítico, a sociabilidade e a cooperação dentro de uma sociedade democrática.

Segundo Arnold Clausse, os problemas atuais da pedagogia podem dividir-se em: axiológicos, estruturais e metodológicos.


Problemas Axiológicos

A filosofia educacional conservadora afirma que os princípios básicos da educação são imutáveis e eternos. Baseia-se em certas “verdades universais” que permanecem apesar do decorrer do tempo e que considera válidas para qualquer ambiente, dado que o que caracteriza o humano permanece inalterável em todos os lugares.

O progressismo, pelo contrário, parte de base de que a essência da realidade é a mudança, pelo que afirma que a educação tem de se adaptar ao processo de desenvolvimento da cultura.

O processo educativo não deve supor uma simples adaptação à sociedade, mas tem que permitir uma reconstrução da experiência vital do educando. Portanto, essa filosofia considera o homem como uma realização progressiva e vê na educação o meio de favorecer e ampliar as possibilidades de desenvolvimento do ser humano.


Problemas Estruturais

As reformas projetadas em muitos países possuem traços comuns, como a prolongação da escolaridade obrigatória, a tentativa de evitar as orientações profissionais prematuras, a criação de ciclos sucessivos a partir de um tronco comum de conhecimentos, etc.


Problemas Metodológicos

Embora seja muito importante melhorar os meios, os métodos e as técnicas, na atualidade, o problema metodológico mais importante enfrentado pela pedagogia é o das relações no grupo-classe.

A aprendizagem deve ser significativa para o educando, porém isto coloca uma questão muito profunda, levando os pedagogos a duvidar do interesse que algumas disciplinas ensinadas possam ter para os seus alunos, da necessidade de certos horários rígidos e do sentido de uma aprendizagem dividida artificialmente, segundo programas nos quais não intervieram diretamente nem educandos nem educadores, etc.

Finalmente, põe-se em questão a própria noção de autoridade, e, dentro das classes, tenta-se estabelecer novos sistemas de relações que permitam o aparecimento de estruturas muito mais flexíveis.


A pedagogia tradicional, da aula magistral, da memorização, que superestima o mundo dos adultos e ignora a criança, que desconhece as relações reais que se estabelecem nas classes e atribui ao professor um caráter carismático, que se perde em repetições de exercícios que nada tem a ver com os interesses dos alunos, que se afasta da vida, etc., é uma realidade secular.


Princípios sustentadores dos métodos tradicionais

a) Estrutura piramidal. A pedagogia tenta ir do simples para o complexo. Considera que a criança é incapaz de apreender a complexibilidade, pelo que as matérias ensinadas são decompostas em número determinado de elementos, considerados mais facilmente assimiláveis. Desta forma, o ensino adota uma estrutura piramidal, já que em cada curso ensina-se o mesmo que no anterior, acrescentando-se porém novos elementos.

b) Formalismo e memorização. A simplificação acima referida produz certos encadeamentos lógicos, expressos em classificações e simetrias, que o aluno dificilmente capta, a não ser que os “aprenda” através do processo de memorização que, por sua vez, constitui o “controle”, feito pelo professor, daquilo que o aluno aprendeu através do “perguntar a lição”, dos exames, etc.

c) Esforço e competição. Para “provar” que “aprendeu” os conhecimentos exigidos, o aluno deve realizar um esforço notável; mas, para tanto, o sistema que se revelou mais útil foi o de fomentar a emulação entre os educandos. Daí que se distribuíssem a “ordem do mérito”, “o quadro de honra” e as medalhas e distinções – e em muitos casos ainda se atribuem -, a fim de estabelecer competição entre os escolares; e também se fez uso dos castigos – reforço negativo -, que são o reverso da medalha da recompensa, aplicados aos alunos que resistam a adotar a atitude deles esperada.

d) Autoridade. Para levar a criança a realizar esforços para que não se sente naturalmente inclinada, e para conseguir que se comporte como um bom aluno, recorre-se à autoridade do professor, o qual é considerado como um representante da sociedade adulta. O professor encontra-se sujeito à autoridade do diretor, do inspetor, dos organismos oficiais administrativos, etc., como parte integrante de um aparelho burocrático, tudo influindo para que o aluno acate, desde muito pequeno, o princípio da autoridade e aceite passivamente qualquer pressão que se faça sobre ele.


O “boom” da pedagogia

Seja como for, o certo é que nunca se tinha falado tanto de educação e pedagogia como na atualidade.

Em matéria de educação, as críticas mais severas formuladas ultimamente não se referem ao aspecto estritamente educativo, pois diversos estudos, de que em seguida nos ocuparemos, provaram que os problemas educativos são também políticos e, portanto, a sua crítica não se pode separar da economia, da burocracia, do Estado e da sociedade considerada enquanto conjunto.

Só muito recentemente as massas perceberam da enorme importância da educação, tanto a nível pessoal como social e político. O problema educativo deixou de assim de ser privativo de alguns especialistas para se transformar numa das preocupações básicas de uma humanidade cada vez mais consciente das suas aspirações.

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Fonte:
Fabra, Maria L. A Nova Pedagogia. Salvat Editora do Brasil, S.A. Rio de Janeiro, 1979.

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